Sem ele, a política vai ficar mais triste (mas os maus políticos vão sentir-se aliviados)

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José Carlos Teixeira*

 

“Dessa vez, baiana gente, baiano de toda cor

O seu voto inteligente, com justiça e com amor

Não será voto comprado, se tivermos no Senado

Juca Chaves senador”

(Propaganda eleitoral de Juca Chaves)

Os votos inteligentes obtidos pelo cantor, compositor e humorista Juca Chaves, após insistentes pedidos feitos em versos aos baianos no horário da propaganda eleitoral, acabaram sendo insuficientes para elegê-lo senador pela Bahia, no pleito de 2006. Candidato pelo minúsculo PSDC, Jurandyr Czaczkes Chaves, seu nome real, recebeu apenas 19.603 votos, o equivalente a 0,35% do total, e acabou em quarto lugar, mas à frente de outros dois adversários (a única vaga em disputa foi conquistada por João Durval Carneiro, do PDT).

Não sei se Juca Chaves seria um bom senador. A História e os votos dos eleitores – quero dizer, a falta de votos – não nos permitiram saber. Mas tenho certeza de que, com ele lá, o vetusto Senado seria mais risonho. Mais ainda: se ele cumprisse suas promessas de campanha iria dar trabalho a muita gente e o Brasil certamente seria bem melhor.

Com pouquíssimo tempo de propaganda eleitoral, Juca aparecia na programação da tv cantando ou declamando versos contra a politicagem e os maus políticos, como esses abaixo:

“A honestidade há muito já sumiu

As consequências vêm sempre depois

Por isso todo dia, pra alegria do Brasil

Morre um ladrão e nascem dois”

E também estes:

“Tem muita gente roubando

Muita gente enriquecendo, de modo vil

A mesma lei que lhe prende

É a mesma lei que lhe solta, isto é o Brasil”

Não há dúvida de que, eleito senador, continuasse na mesma pisada, atacando os desonestos, defendendo os mais pobres e reclamando Justiça.

Juquinha, como ele gostava de se referir a si próprio, morreu na noite do último sábado, 25, aos 84 anos, devido a complicações de problemas respiratórios, em Salvador, cidade onde morava há três décadas.

Vai fazer falta. Não só pelo humor inteligente, a ironia fina e as tiradas jocosas e desconcertantes, mas sobretudo pela sátira incisiva, por meio de frases ou versos ferinos com que costumava atingir os poderosos, sobretudo os políticos.

Começou lá atrás, no final dos anos 1950, quando gravou Presidente Bossa Nova, bulindo com o então presidente da República Juscelino Kubitschek – acusado, segundo a letra da modinha, de supostamente ter mandado um parente ao dentista de avião oficial – um quase inocente pecadilho, na comparação com o que fizeram alguns presidentes que o seguiram. Na sequência, veio Caixinha Obrigado, mexendo com os deputados (“Se um deputado abre a boca, é um atentado / E a mãe de alguém é quem sofre toda vez”).

Logo depois, gravou Brasil Já vai à guerra, com críticas ao governo pela compra de um porta-aviões inglês usado, aqui rebatizado de Minas Gerais, o que lhe valeu alguns probleminhas com as Forças Armadas: “Brasil já vai a guerra, comprou um porta-aviões / Um viva pra Inglaterra de oitenta e dois bilhões / Mas que ladrões”.

As modinhas de Juca Chaves lhe valeram o epíteto de Menestrel Maldito e crescentes problemas com a censura, no período do regime militar. Foi obrigado a exilar-se em Portugal – de onde saiu após ter feito uma piada com o ditador local, António Oliveira Salazar, refugiando-se na Itália. De volta ao Brasil, passou algum tempo comandando programas de televisão e realizando shows, sempre usando o velho bordão: “Vá ao meu show e ajude Juquinha a comprar seu caviar”.

Mesmo morando na Bahia, entregue ao dolce far niente à beira do mar de Itapuã, de vez em quando rompia o feliz estado de ócio para fustigar os políticos envolvidos em mal feitos. Sua última incursão nessa área foi em 2015, quando gravou Adeus em ritmo de Lava Jato, cuja letra diz: “Sai um político, entra outro na quadrilha / Um marionete de um teatro sem moral / E o povo que votou pra não perder bolsa-família / Já não mais acredita no pré-sal”

Nesses tempos tenebrosos que estamos atravessando, sua alegria e mordacidade vai mesmo fazer falta. Que ele nos ilumine de lá para que possamos seguir rindo e combatendo.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

 

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