Todo mundo sabia o tamanho da bronca, menos a segurança do governo de Lula

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José Carlos Teixeira*

É só pesadelo, depois passa

Na fumaça de um rojão

É só ilusão, não, não

Deve ser ilusão, não, não

(O real resiste, de Arnaldo Antunes)

 

Não direi incompetência, é um termo muito forte. Também não usarei ingenuidade, afinal, ali ninguém é ingênuo. É tudo cobra criada, como se diz no sertão. Leniência, talvez. É mais suave. Mas o fato é que o governo do presidente Luiz Inácio descuidou de um princípio central de governança, qualquer que seja ela: informação é poder. Ou melhor: sem informação não existe poder.

É verdade que a posse do novo presidente, no dia primeiro, apesar das ameaças, transcorreu sem problemas. Pelo que se noticiou, um homem foi detido quando tentava entrar na Praça dos Três Poderes, área onde ocorreria a cerimônia, carregando uma faca peixeira e alguns rojões. E foi só.

Mas não se poderia esquecer que na semana anterior bolsonaristas tentaram explodir uma bomba na passagem de um caminhão carregado com combustível nas proximidades do Aeroporto Internacional de Brasília. O atentado não se concretizou porque, segundo a polícia, os envolvidos usaram os explosivos de forma inadequada. Mesmo acionado por meio de um dispositivo remoto, o artefato não explodiu.

Em menos de 24 horas, a Polícia Civil prendeu um suspeito: um empresário que viajara do Pará a Brasília para participar de manifestações de apoio ao então presidente Jair Bolsonaro. Com ele foram encontrados um fuzil, duas espingardas, dois revólveres, três pistolas, centenas de munições, uniformes camuflados e outras cinco emulsões explosivas.

Diante disso, a movimentação dos bolsonaristas que preparavam a manifestação marcada para domingo deveria ter sido acompanhada com mais atenção pelos órgãos de segurança do governo federal. Aliás, bastava acompanhar o noticiário da imprensa para saber que se tratava de coisa grande. Nas redes sociais circulavam chamamentos partidos de vários pontos do país sobre a organização das caravanas com destino a Brasília.

Na internet, arautos do bolsonarismo anunciavam que a hora estava chegando. Todos a Brasília, convocavam. Vamos tomar o poder, convidavam. Vamos à guerra, incitavam. Todo mundo via e ouvia. Ao que parece, só o governo não tomou conhecimento. Não, não, estou sendo injusto: o governo tomou conhecimento, mas, ainda embevecido com a festa da posse (e que festa, leitor! Que festa! Inesquecível!), subestimou a capacidade de mobilização dos adversários e não se preparou para enfrentar uma eventual ou, o mais certo, a provável radicalização do movimento.

No domingo, foi o que se viu. Praticamente nada do esquema de segurança definido na véspera em conjunto com o governo do Distrito Federal funcionou. A multidão formada pelos acampados em frente ao QG do Exército, acrescida de bolsonaristas locais e mais os desembarcados de dezenas de ônibus vindos de diversos pontos do país, agigantou-se.

À frente de uma bisonha tropa da PM do Distrito Federal que os seguiam, como se os estivessem escoltando, os manifestantes desceram a Esplanada dos Ministérios, romperam a frágil barreira de pouco mais de uma dezena de policiais e invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

Dentro dos prédios, instalou-se o caos, como se viu nas imagens exibidas na televisão, na internet e nos jornais. Quebraram vidros, portas e móveis, danificaram obras de arte, atiraram equipamentos ao chão… Só deixaram o local umas três horas depois, em meio à fumaça do gás das bombas de efeito moral lançadas pela polícia, deixando atrás um rastro de destruição.

Mais tarde, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que fora enganado pelo governo do Distrito Federal que não o informara a tempo da real situação no terreno e que, além do mais, também modificara o esquema de segurança combinado, deixando-o mais frágil. Dessa forma, tentou eximir-se da responsabilidade.

O governador Ibaneis Rocha, por sua vez, disse que também fora enganado por seus subordinados e demitiu o secretário de Segurança, Anderson Torres – que, aliás, estava desde o dia anterior nos Estados Unidos, de férias com a família na Flórida, onde, jurou, não se encontrou com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que também anda por lá.

Quem não foi nessa conversa foi o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou de imediato o afastamento do governador por 90 dias, por omissão, e a abertura de inquéritos para apurar as responsabilidades pela falha do esquema de segurança.

Um governo inteligente e um mando militar sábio precisa de informação. Sem informação sobre os movimentos dos adversários não há como vencê-los, já advertia Sun Tzu, no tratado A Arte da Guerra, escrito no início do século VI antes de Cristo. Passaram-se 2.500 anos e a lição ainda não ficou clara. É o que se deduz.

Faltou informação ao governo sobre a dimensão da movimentação dos golpistas bolsonaristas. Esperava-se um pequeno grupo fazendo piquenique no gramado da Esplanada e o que se viu foi uma multidão tocando terror. Por ora, fiquemos com essa conclusão enquanto aguardamos as investigações sobre responsabilidades prometidas por todos.

Ah, dizem que o tiro dos bolsonaristas golpistas saiu pela culatra e acabou fortalecendo Lula. Pode ser. Mas atenção: o golpismo não está morto e os golpistas continuam por aí. O vizinho aposentado que não perde as transmissões de emissoras bolsonaristas não desligou o rádio durante toda esta segunda-feira.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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