Ah, Ioiô, quando eu contar como vai a segurança na Bahia você vai se pasmar

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José Carlos Teixeira*

“Iaiá, minha preta não sabe o que eu sei
O que vi nos lugares onde andei
Quando eu contar, Iaiá, você vai se pasmar.” 

(Samba de Serginho Meriti e Beto Sem Braço)

 

Foi há 30 anos. Em 14 de janeiro de 1992. Uma van foi interceptada perto de Patamares por homens armados quando transportava um grupo de dez turistas argentinos do aeroporto para um hotel no centro de Salvador. Depois de rodar por quase três horas, os bandidos abandonaram o veículo e as vítimas numa área erma nas proximidades de Águas Claras e fugiram levando bagagens, joias, documentos, máquinas fotográficas e dinheiro dos turistas.

O então governador Antonio Carlos Magalhães de imediato determinou à polícia agilidade nas buscas para identificar e localizar os assaltantes e demitiu o secretário da Segurança Pública, Sérgio Habib.

Os argentinos foram convidados ao Palácio de Ondina, onde o governador lhes pediu desculpas e disse que a partir daquele momento eles eram hóspedes do governo do Estado que iria cobrir as despesas deles com hospedagem, alimentação e até mesmo com a compra de roupas para todos. Dois depois, os assaltantes foram presos e a maior parte dos pertences tomados dos turistas foi localizada e devolvida aos donos.

O pedido de desculpas e todo o apoio prestado às vítimas daquele assalto não foram atos de mera bondade do então governador. Até porque Antonio Carlos Magalhães não era tão bondoso assim. Como sabemos, às vezes ele era, mesmo, o Toninho Ternura, mas outras vezes fazia por merecer o apelido de Toninho Malvadeza que os adversários lhe pespegaram.

Mas é que na época, uma ação como aquela, com bandidos fortemente armados assaltando grupos de pessoas era algo inconcebível e sobretudo inadmissível, considerando o esforço e os investimentos que o Estado vinha despendendo para tornar o turismo uma atividade de peso na sua economia. Daí a agilidade na captura dos bandidos e na recuperação dos pertences dos turistas.

………………………..

Voltemos aos dias atuais. Na madrugada da sexta-feira passada, 13, a tripulação de um voo da empresa aérea Gol foi assaltada na portaria de um hotel quatro estrelas, nas proximidades da Avenida Tancredo Neves, região considerada o centro financeiro da capital baiana.

Os assaltantes armados renderam e tomaram os pertences de três integrantes da tripulação de um voo da Gol que aguardavam transporte para o aeroporto e de dois funcionários da recepção do hotel. Não satisfeitos, os bandidos arrombaram uma loja de telefones celulares que funciona no pavimento térreo do estabelecimento e levaram vários aparelhos.

Notícia ruim anda a galope, diz o velho ditado. A má notícia já corria o Brasil, pelas asas dos veículos da imprensa nacional, e no aeroporto não se falava de outra coisa, pois, devido ao ocorrido, o voo G3-2027, que sairia às 4h20 para o Rio de Janeiro, só partiu cinco horas depois, com outra tripulação.

Foi quando o secretário de Turismo da Bahia, Maurício Bacellar, resolveu tapar o sol com a peneira e botou falação minimizando o acontecido.

– Não é um fato isolado que vai manchar a imagem da Bahia – disse o secretário, em um vídeo que circulou na internet, referindo-se aos inevitáveis prejuízos para o turismo baiano por conta da repercussão negativa do episódio junto a eventuais interessados em visitar a outrora Boa Terra.

Compreende-se o esforço do secretário. Eu mesmo, assim como a gentil leitora e o amável leitor, todos nós gostaríamos que o assalto fosse um fato isolado, mas classificá-lo assim é conversa para boi dormir.

Qualquer um que preste atenção ao noticiário diário da imprensa tem conhecimento da dimensão das agruras enfrentadas pela população baiana e pelos que nos visitam com o avanço da criminalidade e o aumento da violência sem precedentes registrados nos últimos anos.

Além do mais, o ataque ao hotel ocorreu em meio a uma grave crise na segurança pública baiana, desencadeada na semana anterior com a morte de três policiais militares – um deles baleado em um confronto com marginais e os outros dois quando voltavam do funeral do primeiro.

Um assalto em Salvador não é um caso isolado. Assim como não o é em Porto Seguro, outro dos mais procurados destinos turísticos da Bahia, que infelizmente carrega outro título, esse negativo: é uma das cidades mais violentas do Brasil. Estatísticas oficiais, da Secretaria da Segurança Pública, mostram que no ano passado Porto Seguro registrou 80 homicídios, 3 latrocínios (roubo seguido de morte), 33 tentativas de homicídios e 88 casos de estupro.

Na Bahia, segundo a mesma fonte, também no ano passado, foram 5.536 homicídios, 56 casos de lesão corporal seguida de morte, 137 vítimas de latrocínio, 2.230 tentativas de homicídio e 3.164 casos de estupro.

Nem vou falar dos casos menores, tipo assalto, furto, roubo, lesões corporais, todos em números igualmente crescentes.

Aliás, melhor seria o secretário de Turismo conversar com seu colega da Secretaria da Segurança Pública. Como no samba de Serginho Meriti e do grande Beto Sem Braço, certamente Maurício Bacellar iria se pasmar.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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