O franzir de testa da onça e o espirro do bode na tríplice aliança governista

teixeira foto nova

José Carlos Teixeira*

 

Foi no tempo em que os animais falavam.

Certa manhã, ao passar por um aprazível recanto da mata, a onça falou com os seus botões, encantada com o que via: – Que belo lugar, é aqui que vou construir minha casa. Dito isso, começou a trabalhar. Roçou o terreno e deixou para continuar o serviço no dia seguinte.

O bode passou logo depois, também adorou aquele lugar na beira do rio e pensou a mesma coisa. Ao ver que o terreno já estava roçado cuidou de cortar madeira para construir sua casa.

No dia seguinte, a onça encontrou a madeira cortada e pensou: os espíritos da floresta estão me ajudando. Cuidou de erguer as paredes da casa e deixou para fazer o telhado depois.

Quando o bode voltou, pensou a mesma coisa: os espíritos da mata estão me ajudando. Fez a cobertura de palha e foi embora cuidar da mudança. Mas quando voltou, já encontrou a onça instalada, balançando-se numa rede.

Discutiram, ameaçaram trocar tapas, mas acabaram se acalmando. Conversando, ao fim se entenderam, pois estava claro que a casa foi construída por ambos. Já quase amigos, acordaram em morar juntos e estabeleceram as regras de convivência.

Com cuidado, a onça explicou que o bode só deveria temê-la quando a visse com o couro da testa todo franzido. Por sua vez, o bode disse que a parceira só deveria ter medo dele quando o visse espirrando e balançando a cabeça para cima e para baixo.

Juraram que nenhum faria mal ao outro. Mas viviam sempre desconfiados e à noite quase não dormiam, um com medo do outro e o outro com medo do um. Uma manhã, a onça amanheceu com o couro da testa franzido. O bode, ao ver aquilo, espirrou bem alto e balançou a cabeça.

Não deu outra: ambos saíram em desabalada carreira, abandonando a casa que haviam construído juntos. Dizem os outros animais que eles estão correndo até hoje.

Pois bem, a aliança política-eleitoral firmada entre o PT, o PSD e o PP na Bahia sempre foi mais ou menos como a convivência entre o bode e a onça nessa fábula brasileira tradicional, recolhida pelo historiador e folclorista Luiz da Câmara Cascudo e registrada em seu livro Contos Tradicionais do Brasil, um clássico da cultura popular.

Os líderes da tríplice aliança instalada no comando do governo baiano na sequência da derrota do carlismo sempre juraram eterno amor, mas, como é natural em todo ambiente de disputa de poder, cada um tratando de acumular forças visando a hegemonia no grupo e ao mesmo tempo desconfiando da movimentação dos demais na busca dessa aspiração comum.

Dentro do grupo, as tratativas para a formação da chapa majoritária para as eleições de outubro vinham correndo num clima de aparente tranquilidade. Diziam sempre: estamos unidos e seguiremos unidos até a vitória. No primeiro arranjo, Jaques Wagner (PT) seria o candidato a governador; o senador Otto Alencar (PSD) disputaria a reeleição; e o vice-governador João Leão (PP) indicaria o vice e ganharia mais alguns cargos compensatórios no futuro governo, caso Wagner fosse vitorioso, para manter o equilíbrio.

Eis que de repente, não mais que de repente, como diria o poeta, por motivos que não foram deixados claros, Wagner anunciou que não mais seria candidato a governador e indicou Otto para o posto. A partir daí, o que se viu foi um festival de testas franzidas, espirros contínuos e balançar de cabeças.

Uma parcela dos deputados petistas não aceitou Otto candidato a governador. Achavam que ele iria puxar votos para os candidatos do PSD, um movimento natural, e eles – que vêm convivendo com o fantasma da degola, por conta da quase certa redução das bancadas do partido na Assembleia e na Câmara Federal – seriam prejudicados.

A discussão mal começou a esquentar e foi anunciado que o governador Rui Costa deixaria o governo para ser o candidato a senador. Com isso, o vice João Leão assumiria o governo para cumprir o mandato até dezembro.

Aí é que o bicho pegou. Se os deputados petistas já se sentiam com a reeleição ameaçada por conta da presença de Otto na cabeça da chapa, como candidato a governador, a situação ficaria ainda mais complicada para eles com João Leão ocupando o Palácio de Ondina e trabalhando pelos candidatos do PP.

E como se não bastasse a rebelião dos deputados, havia ainda o risco, levantado nos bastidores, de que Leão poderia, já sentado na cadeira de governador, lançar-se candidato à reeleição ou, o mais grave, transformar o governo da Bahia numa trincheira da candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo na Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país e onde tradicionalmente Luís Inácio lula da Silva tem grande votação.

Com tanto franzir de testas, espirros e balançar de cabeças, a aliança rompeu-se: João Leão entregou os cargos que o PP tinha no governo e bandeou-se para o lado adversário. Vai ser candidato a senador na chapa da oposição encabeçada por ACM Neto, do União Brasil.

Como em outra fábula, aquela da raposa e as uvas, os governistas dizem que Leão vai sozinho, pois uma expressiva maioria dos seus liderados, entre prefeitos e deputados, continuará marchando com o governo. Do lado da oposição, a conversa é que, com esse movimento, Leão assegura a vitória de ACM Neto no primeiro turno.

A conferir: ainda estamos a pouco mais de seis meses da eleição.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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